(Esse texto é baseado em relatos reais e elaborações fictícias sobre o tema)
Igreja Matriz em outros tempos, sem o muro
Há muitas décadas que histórias inusitadas percorrem as pequenas
conversas no centro das Gêmeas do Iguaçu. Talvez seja a regra em
pequenas cidades, mas isso não exime de crédito as hipóteses levantadas
por esses boatos citadinos. Entre os vários burburinhos que rodeiam os
munícipes há bons anos, uma história é bastante repetida: aquela que
fala de túneis interligando algumas das estruturas mais antigas de
Porto União, entre elas a Igreja Matriz, o Colégio São José e o Colégio
Santos Anjos. Os túneis teriam sido construídos no tempo em que havia
perseguição étnica pelas mãos do governo getulista, visando,
especialmente, os alemães. Como boa parte do clero e dos profissionais
que administravam os centros de ensino eram de origem alemã, em tempos
de conflitos geopolíticos uma perseguição mais severa não seria uma
impossibilidade, vide Estados Unidos. De tal forma, essas pessoas
teriam construído estruturas subterrâneas que ligavam esses edifícios,
para tê-las de pronto uso em tempos difíceis. Há ainda outras teorias
que falam de um local para possível encontro de freiras e padres e até
teorias que misturam possíveis figuras nazistas na história.
A verdade é que sobrevive na cultura popular a
história dos túneis ocultos. Passada dos mais velhos para os mais novos
e alimentando a imaginação das crianças que estudam nos colégios
envolvidos, a lenda persiste. Não há ano letivo em que um grupo de
crianças não tenha a ideia de especular onde ficariam as passagens
secretas. Uns diziam do palco no Colégio Santos Anjos, outros falavam
de uma passagem oculta numa sala do São José e alguns diziam de uma
entrada sob o altar da igreja.
Vale questionar o motivo pelo qual isso tudo nunca
tenha sido posto à limpo. Há algum motivo para esconder a existência
dos túneis? Ou haveria algum motivo para não esclarecer por vez que não
há túnel algum? Não seria fato inédito a existência de túneis ligando
alguns locais de uma cidade, ainda mais com a influência alemã. Sabe-se
que, em Blumenau, há uma história muito parecida envolvendo túneis que
ligariam duas escolas de padres e freiras ou supostos mecanismos de
fuga de nazistas. O padrão das histórias é o mesmo. Caberia perguntar
se o fundamento das histórias está num padrão provindo daqueles
alemães, mas a isso não temos meios de responder.
Volta e meia, algo surge e revitaliza a discussão
sobre os túneis de Porto União. Há alguns anos, começou a ser repassado
entre os habitantes um livro xerocado e de simples encadernação,
contando uma curiosa história onde Adolf Hitler teria sido enterrado em
Porto Vitória, cidade próxima. Na obra, o Führer, já muito debilitado,
teria sido trazido para Porto União com intenções de ser transportado
para outra cidade. Em Porto União, investigadores estariam no seu
encalço, o que iniciaria uma perseguição envolvendo os mencionados
agentes e uma rede secreta global de nazistas. O livro faz uso da lenda
dos túneis, localizando ali alguns dos acontecimentos mais importantes
da obra. O livro reforça o argumento de que os túneis seriam de
idealização alemã e teriam envolvimento com algum tipo de plano nazista.
No corrente ano de 2020, mais uma vez a história dos
túneis foi revisitada no imaginário local. Durante a histórica pandemia
de Covid-19, quando foi anunciado o toque de recolher iniciando às 23h,
imediatamente funcionários da prefeitura se colocaram a trabalhar na
calçada em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora das Vitórias, que fica
entre o Colégio Santos Anjos e o Colégio São José. Segundo a lenda, o
túnel passaria por baixo dessa igreja e haveria, nela, uma entrada para
o mesmo. Fato um tanto curioso o de começarem a mexer naquela parte da
Igreja bem no tempo em que o tráfego de pessoas era o menor em muito
tempo por conta da pandemia. A própria Rua General Bormann estava toda
fechada por conta de obras de asfaltamento no Alto da Glória.
A escada encontrada
A reforma que estava sendo feita no terreno da igreja não se limitava à
calçada da mesma, mas se estendia ao paredão de pedra que fica sobre a
gruta e à própria gruta. Logo surgiram na internet fotos de uma escada
desconhecida que foi encontrada entre as pedras desmontadas, escada que
seria um acesso frontal antigo à igreja antes de ela ter adquirido a
forma atual, com acesso pelas rampas laterais. Aparentemente, não há
nada demais em tudo isso, porém as coisas começaram a ficar um pouco
estranhas a partir dos depoimentos de alguns trabalhadores que
permanecerão anônimos (em nome e cargo). Contam esses honestos
trabalhadores que, de dia, seguiam as obras normais na calçada e na
parede da igreja, assim como na rua. Porém, durante a noite, após o
toque de recolher anunciado para as 23h, uma equipe reduzida se
colocava a escavar para além da gruta, em uma parte que ficava coberta
por um tapume durante as obras diurnas. Não foi necessária muita
escavação de partes construídas no passado e até então ocultas para que
alcançassem uma entrada para os famosos túneis.
Enquanto a terra era removida entre antigos tijolos
que criavam uma espécie de curta galeria, a quantidade de terra ia
diminuindo. De repente, o caminho se abria para um local escuro que
parecia mais amplo. Assim que foram retiradas as últimas porções de
terra, foi aberto aquele espaço coberto pelo breu, fazendo seu espaço
mais vasto ser lido pelos sentidos, mesmo que nada se visse. Ali,
alguns pingos ecoavam na galeria e um ar úmido e gelado circulava
levando consigo um odor terroso. Com ajuda de lanternas, foi possível
enxergar o que estava escondido antes pela terra amontoada entre velhos
tijolos. Parecia que haviam alcançado o famoso túnel (ou um deles), que
agora era confirmado em toda sua realidade. Não era um espaço alto,
tendo seu limite superior menor que 2m. Também não era largo. Uma
pessoa poderia passar tranquilamente, mas dois adultos teriam que se
espremer um pouco para passar lado a lado. O chão não era plano, mas
côncavo, de modo que a água que pingava em diferentes partes do teto se
juntava escorria pelo meio do caminho. Havia muitas teias de aranha e
pedras pelo caminho, que seguia longe em duas direções, sendo que,
depois de uns 7 metros pelo caminho esquerdo, havia outra bifurcação
que levava na direção da igreja.
Os homens envolvidos nessa empreitada, na calada da
noite, ainda foram um pouco mais à frente em cada uma das direções,
achando coisas muito antigas pelo caminho, como pedaços de louça
quebrada e entulho em geral. Chamou-lhes atenção uma pequena caixa
encontrada em um canto no túnel que levava à igreja. Abrindo-a,
encontraram uma série de documentos escritos em idioma alemão, com
caligrafia fraktur e, segundo
os testemunhos, alguma simbologia nazista entre as várias páginas
indecifráveis. O conteúdo dos documentos permanece desconhecido, uma
vez que as ordens eram claras: o material devia ser recolhido e
entregue aos superiores. Tampouco os trabalhadores tiveram intenção de
fotografar esses textos, tanto pela natureza rígida das ordens que
receberam como pelo desconhecimento momentâneo da importância de tais
registros.
Não é mistério que havia cidadãos envolvidos com o
movimento alemão na década de 30 e 40, sendo que alguns mencionam a Rua
Treze de Maio como sede do partido. Suas motivações eram variadas e, na
época, essa inclinação não carregava os mesmos estigmas de hoje. É uma
parte do passado que foi enterrada por vários motivos, seja o
arrependimento ou o convencimento de que há coisas que devem permanecer
ocultas. Talvez algo nesse sentido tenha motivado os mandantes dessa
pesquisa no local de assegurar resguardo aos materiais encontrados. Ou,
talvez, estivessem buscando recuperar algo? Segundo os trabalhadores,
ainda era feito um rodízio de pequenos grupos sem contato entre si (o
fato de alguns se conhecerem veio à luz depois da empreitada e foi
causa da coincidência), diminuindo os riscos de troca de informação ou
divulgação de achados. Tudo extremamente sigiloso.
Há boatos de que, ainda, restos mortais foram
encontrados em parte dos túneis. Porém, os restos mortais não eram de
crianças ou coisa do gênero, como defenderiam os crentes na teoria de
que os túneis serviam para algum tipo de despejo de fetos abortados
pelas freiras. Seriam restos mortais de adultos bem desenvolvidos. Além
disso, no que parece ser ainda mais fantasioso, menciona-se o encontro
de curiosos textos em português; os mesmos seriam escritos de um antigo
padre prestes a morrer, que decidiu por em papel o que sabia sobre as
tramas ocultas da cidade, envolvendo a maçonaria, a igreja e grupos
hoje desconhecidos. O relato de quem teve contato com o material é
muito escasso, incapaz de fundar uma descrição acurada, mas dá a
entender que, entre outros, mencionaria um tipo de sociedade secreta
remanescente do Contestado, um grupo sebastianista e monarquista que se
opunha aos avanços republicanos e seculares da maçonaria na região.
Haveria, também, um grupo de inspiração pan-germânica com práticas
rituais pouco ortodoxas, opondo-se, como o anterior, à maçonaria.
Infelizmente, o conteúdo exato desses materiais
provavelmente nunca será feito público. Com os idealizadores desses
círculos antigos já exterminados pelo tempo, e a memória dos que
conhecem o assunto permanentemente silenciada por motivos próprios,
tudo permanece, como os túneis, no terreno da lenda urbana, guardando
segredos em galerias escuras sob as calçadas que pisamos todos os dias.
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