animaxenomoi

uma incursão à verdade imposta pelo estranho e externo ao homem

VALEDASCACHOEIRAS

      

   

    Quando era criança, fiquei preso no Shopping Vale das Cachoeiras. Essa experiência ficou marcada em minha mente sem nunca deixar de fazer crescer suspeitas quanto à fidelidade da minha memória e quanto às coisas podem se ocultar por trás das fachadas do cotidiano. Entrar em detalhes sobre isso foi algo que sempre evitei por cansar do ar de descrença e de zombaria que se articulava nos rostos daqueles poucos que ouviam minha pequena história.
Adentrávamos no século e o mundo estava em transformação. Um ímpeto urbanita tomava as rédeas mesmo das mentalidades mais interioranas, fascinadas pela prosperidade noventista e encantadas pelo efervescente meio tecnológico primeiro-mundista, sobretudo japonês, que transbordava de imagens a mente de crianças e adolescentes que se debruçavam sobre revistas de jogos e animes. Ganhei meu Playstation em 1997, muito cedo, presente de uma madrinha, e comprava meus jogos na Loja Olga, onde, sem nem ter ideia do conteúdo de cada jogo, passava tempo escolhendo qual comprar com base somente nas capas, esboçando mentalmente os mundos virtuais inéditos que aqueles CDs encerravam em si mesmos. Ao comprar algum JRPG, passava horas me distraindo com os detalhes mais fúteis dos mapas, sem qualquer preocupação com objetivos, pois não sabia nada de inglês e minhas ações acabavam por ser completamente aleatórias; era o fascínio pela arquitetura de um mundo virtual – distante e próximo – que me prendia. Da mesma forma, passava horas contemplando revistas sobre animes e imaginando como seriam aqueles desenhos japoneses aos quais não tinha acesso algum nos primórdios da internet, pensando como seria Vampire Hunter D ou Noir. Eram tempos diferentes, talvez a última barreira antes da imersão na rede mundial de computadores – wired –, quando era possível uma criança interiorana conservar a porção saudável de uma infância de cidade pequena e também ter ao menos algum acesso às criações tecnológicas, aquelas primeiras excursões mais comprometidas ao cyberespaço e suas intensidades. Justamente pelo escasso acesso, pelo fato de não sermos bombardeados com informações e estímulos hiperativos constantemente, tudo se revestia de uma mágica muito própria que se perdeu com o passar dos anos. Portanto, naturalmente, qualquer novidade nesse sentido inspirava o brilho no olhar dos pequenos.
Era o nostálgico ano de 1999 quando o Shopping Vale das Cachoeiras terminou de ser construído em União da Vitória para, logo em seguida, dar início às suas atividades com cerca de cento e cinquenta salas e mais de cinco mil metros quadrados. Em meio a uma grande variedade de diferentes comércios que pouca atenção chamava a uma criança, havia uma série de atrações que faziam aquela piazada reinar e fazer escândalo em casa para que seus pais levassem ao novo templo de Abundantia, onde sob os auspícios da compulsão as pulsões humanas buscam o sacrifício de tudo que abunda, num desperdício ritual daquilo que sobra.
De início, o shopping virou um formigueiro onde se fazia difícil transitar de um ponto a outro. Toda a cidade preenchia aquele espaço em busca do consumo e da novidade. Lojas de brinquedo cheias dos mais novos legos, lojas de CD vendendo as trilhas das novelas e os CDs do Planet Hemp, lojas de roupas esportivas, de artigos importados e uma praça de alimentação repleta de opções variadas. No entanto, havia mais... Além da loja que vendia aqueles CDs pirateados do Playstation 1, havia um espaço que era sagrado para as crianças. Seu nome, se bem me lembro, era Playcenter, uma seção cheia de máquinas de fliperama (arcade) e um pequeno parque com escorregadores coloridos, obstáculos e piscina de bolinhas. Na Playcenter era possível jogar clássicos como Street Fighter, King of Fighters, Metal Slug e vários outros que a memória não recorda o nome mais. Acostumados a jogar sozinhos, com alguns amigos em casa ou nas saudosas locadoras, era algo diferente estar ali naquele local repleto de crianças se desafiando, mostrando as habilidades e vivenciando algo que remontava aos filmes americanos que retratavam ambientes semelhantes.

Naqueles dias, como morava perto, tinha costume de ir ao shopping gastar alguns trocados que ganhava dos pais, sempre acompanhado da "piazada da quadra". Ficávamos até pouco passada a hora de escurecer e então íamos para a casa de algum desses piás ou ficávamos na rua – naquela época erma – conversando ou inventando alguma brincadeira. Contudo, no dia que anima este relato, acabei por ir sozinho, obviamente omitindo isso de meus pais. Lembro que já era bem tarde, perto da hora do shopping fechar e eu me encontrava muito compenetrado em um dos jogos, gastando as moedas que tinha economizado por um bom tempo. Os corredores e as lojas já se esvaziavam, mas no momento não reparava no tráfego, estando mais preocupado em chegar mais longe nos desafios daquele mundo dentro de uma caixa. Quando acabei por perder meu último crédito, percebi que necessitava muito ir ao banheiro. Sem verificar o horário em meu relógio, fui até lá ainda tendo em mente arriscar mais uma tentativa no fliperama. Como uma criança sozinha, sem muita noção de tempo e das coisas ao redor, acabei por permanecer muito tempo no banheiro, tendo ficado até um pouco mal por alguma coisa que comi e não desceu bem. Para meu espanto, ao sair do banheiro, todas as luzes estavam apagadas e o local estava deserto.

Como uma criança que se interessava por tudo que era paranormal e tinha grandes problemas para dormir ou conviver com as nuances sombrias do mundo, aquilo me apavorou por completo. Corri pelos corredores envolvidos pela penumbra, por onde pouca luz entrava, e busquei a saída. Tudo estava fechado. Pela porta de vidro, via que ninguém passava pela calçada e, além disso, surpreendentemente, nenhum tipo de alarme havia disparado com minha presença e meus movimentos.
Há algo de assustador nos ambientes do "entre", nos mundos liminais. Em nossos mapas mentais, alocamos ambientes de procedência e destino, um Ponto A e um Ponto B, locais aos quais assinalamos significado, ornamentamos com quadros e neles permanecemos para desenvolver nossas atividades ou descanso. São locais que podem ser confortáveis ou não, mas que já possuem uma partição cômoda em nosso esquema mental e que repousam em seus significados; uma clínica, nossa casa, uma escola, uma loja etc. São espaços para nós conscientes dentro da arquitetura urbana. Mas, entre esses locais, há espaços que permanecem sob o regime do inconsciente. Locais de passagem, locais que não são observados em si, que permanecem em seu estatuto utilitário de alimentar o trânsito entre os pontos conscientes da urbe. São as garagens vazias dos prédios, corredores silenciosos, calçadas em pontos aleatórios da cidade e aqueles espaços liminais que marcam a fronteira entre pontos para nós conscientes. Locais para os quais não se direciona atenção e quase nunca são observados em si mesmos. Há um terror que emana desses pontos cegos, uma sensação de deslocamento que surge quando se detém a atenção junto a eles, como se algo horrível que esgueira a realidade fosse escolher justamente esses refúgios para se esconder. Da permanência insistente e artificial desses recintos construídos, é como se algo fosse, de vereda, irromper o silêncio, quebrando seu gelo e anunciando algo inesperado e aterrorizante. Esse tipo de terror passou a ser bastante explorado em gêneros como liminal spaces e, mais recentemente, nas backrooms. Na época dos fatos relatados, não possuía ciência de nada disso, mas apenas da sensação paralisante que me tomava ao ver aquelas lojas e corredores, antes preenchidos de corpos, agora silentes, parados no tempo até seu momento de abertura no outro dia. Tons escuros de azul vindos do mundo lunar noturno revestiam sutilmente os brinquedos das lojas, que, mesmo sem as crianças encantadas fitando a vitrine, ainda sorriam para o vazio e para a quietude. Eu me encontrava num espaço liminal, no sentido de que os espaços liminais não são apenas do domínio da topografia, mas também do tempo; aqueles territórios que por algumas horas são habitados e vivos e, em outras, permanecem desolados enquanto a cidade dorme. É verdade que cidades que não dormem nunca sonham, mas também parece de verossímil procedência afirmar que há partes da cidade que só dormem para dar luz a pesadelos.
Em estado de terror e abandono, eu ecoava meus passos leves de criança entre a escuridão do shopping, procurando alguma forma de sair daquele pesadelo e sob a constante impressão de que algo realmente ruim poderia acontecer. Naquele tempo, as crianças não tinham celulares e certamente minha família achava que eu estava, como de costume, junto aos meus amigos, preso nos entretenimentos de infância, apesar de a hora já ser um pouco passada. Perguntava-me se, caso fossem inevitavelmente atrás de mim, chegariam àquele triste destino no qual me enclausurei. Enquanto nada acontecia, eu vagava e vagava com o medo opressor dominando todo o ar que interagia com minha forma. Tudo que era tão inofensivo nas horas diurnas ou com as luzes fluorescentes acesas, agora tomava um ar agressivo e suspeito, como se do seu estado imóvel fosse despontar entre os instantes alguma instância perigosa e horrível para a minha existência, como se os brinquedos fossem se mexer, como se alguém fosse aparecer por detrás dos manequins, como se eu fosse encarar um canto distante da loja uma silhueta negra que, ao ser despertada pelos meus olhos, passaria a se mover... Contudo, evitava olhar demais, tentava olhar apenas à frente e para o chão, na esperança de achar alguma alma viva que estivesse por alguma razão fazendo serão nos corredores das horas mortas daquele necrossistema.
Aos poucos, a abundante imaginação infantil dava conta de animar o lugar, fazendo ver silhuetas se movendo e ouvir estranhos sons e passos. Fica sempre a pergunta se a imaginação infantil é tão só imaginação ou parte, em alguma medida, da interação com fenômenos os quais passam imperceptíveis aos intelectos amadurecidos dos adultos e sua confortável adaptação aos enquadramentos da razão comum. Para mim, naquele lugar escuro, tudo que atiçava meus sentidos e imaginação era muito real, esmagadoramente real. Para deixar a situação mais desconfortável, ao retornar para o primeiro andar, percebi que lá fora, na rua deserta, a neblina densa já tomava todo o ar, tingindo a paisagem com o vermelho dos postes diluído na umidade. Desorientado, retornei ao último andar sem nem saber o que procurar. Refletindo hoje, isso não faz muito sentido, uma vez que permanecer junto à porta aumentaria as chances de sair dali. Tampouco consigo entender por que cargas d'água decidi voltar até o terceiro andar. Lembro vagamente de pensar que poderia encontrar alguém lá que pudesse me ajudar. Porém, o que encontrei me deixou aflito. 

Ao chegar no terceiro andar, ouvi uns ruídos distantes e logo assumi que era algo sinistro, sobrenatural, algo como os barulhos misteriosos que ouvira antes ou as impressões que consumiam minha lucidez. Percebi algo diferente. Em uma das salas, não lembro se uma sala comercial, um escritório ou alguma sala pertencente à administração do shopping, agora brilhava uma luz vermelha de cor muito viva, luz que, num vermelho à la Dario Argento, estendia-se em feixe pela porta e pairava sobre o piso do corredor. Sem ver naquilo nada de estranho, imaginei que seria minha salvação, pois ouvia vozes murmurando frases que, longe, não conseguia decifrar. Decidi seguir em direção à sala, já tomado de certo alívio. Aproximando-se da sala, pronto para pedir socorro às pessoas desconhecidas, algo me fez parar. Isso porque a conversa havia dado lugar a uma estranha ladainha, um tipo de repetição de frases em constante entonação, mas de qual não conseguia abstrair qualquer significado. Lembrava em muito uma oração, mas com estrutura e ritmo alheios ao que conhecera em minha infância no seio da Igreja Católica. Eles repetiram o que parecia um conjunto de quatro frases por quatro vezes, o que foi seguido de um silêncio de uns 30 segundos e um som que parecia um sino, mas bastante agudo, e que ecoou pela quietude da noite. Tive medo de me aproximar temendo interromper algo de importância desconhecida, optando por me esconder na esquina do corredor que antecedia a loja, onde podia ouvir o que aqueles homens falavam enquanto repousava na agora confortável escuridão.
Após o aparente rito que dava início à reunião, os homens passaram a conversar. Suas vozes eram calmas, mas era perceptível que provinham de pessoas já com certa idade e, além disso, de uma aparente nobreza em sua origem. Com falas polidas e sem interrupções alheias, puseram-se a falar de diversas coisas, em maioria temas políticos locais, pessoas influentes e negócios. No entanto, havia algo de esquisito na fala, uma espécie de maldade sutil, uma ganância inerente, algo de sinistro que não se ouve na fala do homem comum. Mas toda aquela conversa foi apenas o começo, pois, depois de um tempo – do qual perdi a noção logo –, já estavam falando da maçonaria, da Igreja e de outras coisas bastante peculiares sobre quais desconheço até hoje. Citaram grupos – ou deveria dizer "ordens"? – ligados às crenças messianistas do Contestado, pontos geográficos que deviam ser neutralizados e documentos importantíssimos que foram extraviados ou ocultados por alguém. Recordo que mencionaram alguma relíquia oriunda da hagiografia católica e itens pertencentes a João Maria de Jesus, além de documentos que entregariam o paradeiro de fugitivos de alguma guerra que eu não soube identificar.
Como desde criança já era aficionado por tudo que remetia ao mundo conspiratório e sobrenatural, tentava fazer pontes entre as coisas que ouvia e que conhecia, mas, claro, sem sucesso, deixando que minha imaginação preenchesse as lacunas. Mesmo sendo aquilo que ouvia muito interessante, o medo me consumia, pois imaginava que seria morto se descobrissem minha presença naquele local improvável, tendo acesso às sessões de discussão que interagiam com os tentáculos invisíveis do poder na região.  Na época, não tinha a mínima noção das inúmeras teorias de conspiração que envolvem o culto a Moloch e o uso de crianças em estranhos rituais. Não que esteja convencido da realidade dessas especulações, mas, se tal fosse o caso, poderia ter me tornado mais uma foto a preencher o imenso e inexplicável catálogo de crianças desaparecidas. Menciono o tema porque aqueles homens começaram outra conversa que me deixou completamente desconcertado.
A certa altura, passaram a falar de certos tributos que deviam pagar (a quem?) anualmente, implicando que havia certo número de sacrifícios a serem feitos em determinada medida de tempo para que seus negócios prosperassem e eles fossem agraciados pelas benesses da prosperidade. Ao menos foi isso que compreendi daquilo que falavam, que precisavam sumir ao menos com alguns por ano se somados os empreendimentos compreendidos por todos ali presentes. Porém, o modo com que eles falavam, já inteirados de todo o assunto, não permitia muita compreensão para uma criança que tentava ligar os pontos em toda aquela trama absurda. Permaneceram por muito tempo tratando de planos sobre a eliminação de pessoas, muitas vezes funcionários, e até mencionavam o arquitetar de um grande incêndio em um teatro, tudo dedicado a alguma entidade oriunda de estrelas adoradas desde eras passadas. Atônito, ouvia cada palavra sem entender muito, mas bem ciente de que jamais deveria ter ouvido nada daquilo.
Após um bom tempo de toda aquela conversa, já chegando às dez horas da noite pelo que lembro, aqueles vultos que travavam longa conversa no recinto banhado pela luz vermelha encerraram suas discussões prometendo fazer os devidos preparos para o acidental incêndio. Repetiram aquele mesmo rito inicial, finalizando-o ao som do sino agudo, que soou, agora, quatro vezes, e a luz vermelha se apagou. Ao ver a luz se apagar, fui mais fundo naquele corredor e me escondi atrás de uma lixeira próxima à rampa por onde eles viriam a descer no escuro. Eram figuras altas das quais via somente a silhueta, dois deles usavam sobretudos e os outros dois roupas normais que não consegui observar muito bem. Andavam lentamente, descontraidamente conversando e rindo com suas vozes pesadas e roucas soando entre as paredes do que acreditavam ser um shopping completamente vazio. Esperando-os passar, com o coração escalando minha garganta e com ganas de pular para fora, pus-me a seguir o grupo à distância, tomando todo o cuidado do mundo para não ser notado, pingando suor frio de minha testa. Já no andar térreo, um dos homens, o mais baixo dos quatro, abriu a porta e todos se despediram, com três deles seguindo entre a neblina e sumindo longe conforme cada um ia para seu carro. O homem mais baixo havia esquecido algo na sala e voltaria até o recinto daquela sessão bizarra que teve fim, deixando a porta do shopping apenas encostada. Assim que, naquele breu, subiu a rampa novamente, corri sem me importar com barulhos ou quaisquer cuidados, abri a porta e disparei entre a neblina até chegar em casa, correndo como nunca corri outra vez.
Atravessada a neblina, chegando em casa atipicamente tarde, entrei ofegante pela porta com minha chave e dei de frente com meus pais quase saindo da casa para me procurar, pois já havia passado em muito o tempo de eu retornar. É fato que até estranhei terem demorado tanto para decidir me procurar, mas talvez o fizessem por serem tempos seguros, confiarem em mim e terem o conhecimento de que eu sempre estava junto dos meus amigos no outro lado da quadra, na casa que compartilhava muro com o fundo nosso quintal. Com dificuldades para respirar e sem ter digerido tudo aquilo que havia vivenciado, percebendo que era mais tarde do que pensara, decidi contar a eles apenas que estava brincando de esconde-esconde na rua com meus amigos e havia perdido a noção do tempo. Em minha mentalidade infantil, achei que não devia contar o que ocorreu para ninguém, pois tinha um medo muito sério de que pudesse causar problemas para qualquer pessoa próxima.
Passado tanto tempo, acredito que aquelas pessoas estejam tão mortas quanto o shopping, que teve vida muito curta, mas conseguiu marcar em definitivo a memória das crianças que lá andaram – e a minha de modo particular. Daqueles tempos, restam apenas as memórias encantadas da infância de alguns, essas palavras pouco críveis e lá, na divisa dos dois estados, a carcaça concretada em lenta decomposição do shopping, talvez ocultando em suas paredes o que é que fosse que habitava suas noites mudas e cobertas pelas sombras.


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Rua Marechal Floriano Rua Rua Júlia Amazonas, Rua Nipton Curi União da Vitória PR

"Assim, como no Panteão romano vinham coexistir no sincretismo os deuses de todos os países, em imenso "digest", de igual modo no Super-Shopping Center, que é o nosso Panteão e Pandemônio, vêm congregar-se todos os deuses ou demônios do consumo, isto é, todas as actividades, todos os trabalhos, todos os conflitos e todas as estações abolidas por idêntica abstracção. Já não pode haver sentido na substância da vida assim unificada, em semelhante "digest" universal: deixou de ser possível o que fazia o trabalho do sonho, o trabalho poético, o trabalho do sentido, ou seja, os grandes esquemas do deslocamento e da condensação, as grandes figuras da metáfora e da contradição, que assentam na articulação viva de elementos distintos. Reina apenas a eterna substituição de elementos homogéneos. Desapareceu a função simbólica: há somente a eterna combinatória de "ambiência", em Primavera perpétua."
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Jean Baudrillard