Aprender o
mundo pelo que não se
anuncia às retinas. Algo que, através de um nada, penetra nos sentidos,
invocando um eriçar que ascende pela espinha. Uma presença. Há muitas
que nos
cercam nos momentos propícios, povoando o visível sem perturbá-lo. Ao
caminhar
pela casa antiga, já sentiu olhos sobre você? Aqueles que se ocultam
operam
pelo modo do sussurro, do acenar: eles sussurram nomes, sentimentos,
intuições
e acenam a coisas que não podemos, de fato, ver. Eles não têm
representação,
mas dizem algo do mundo em sua comunicação.
Não há como se estipular uma natureza clara do invisível,
apenas especular seus tortuosos caminhos que indicam algo ao
homem ou se
desdobram em incompreensíveis fenômenos. Muito já se disse de
hierarquias de
seres angélicos e infernais, tentando, de algum modo dar voz e face a
coisas
que nos cercam e não podemos tocar. O resultado confere uma riqueza
inesgotável
de morfologias peculiares de seres humanoides, bestiais e incorpóreos
que
habitam em grimórios e textos míticos, passando pelos catálogos
esotéricos e
relatos de abdução. Contudo, de todos esses nada apanhou em cheio a
essência e
finalidade das presenças que viajam pelas bordas do real. Alguma outra
abordagem – sempre torta – se faz necessária.
Quando os passos percorrem seu trilhar pelo mundo, também a
mente desbrava seus caminhos, viajando por diferentes estados em cada
espaço e
tempo que, de seu modo humano de ser, desvela como algo sempre seu. O
que é
seu, de fato, é questionável, pois o termo possessivo costuma se
limitar ao
alcance do que é consciente e pode ser nomeado como "seu". Ao se
aproximar do invisível, já falamos de algo que é nosso no sentido de
permanecer
junto ao campo fenomênico na própria forma de ser e manifestar, mas, ao
mesmo
tempo, encontra-se num eterno entrelace com o que é inconsciente,
fugaz, e que
se mantém, em muito, como aspecto alienado e desconhecido. Dessa forma,
mesmo o
que pode, em termos, ser "seu", ainda não é seu, apresentando-se como
alteridade fundamental. Disso, a possibilidade de dialogar com um outro
em
sonhos e na imaginação ativa, fazendo falar como uma forma efetivamente
autônoma algum complexo das profundezas do inconsciente. A cisão de
personalidade segue a mesma senda, fazendo com que se desconheça o
próprio
cindido. Há várias graduações de alteridade que habitam o homem,
desafiando com
armas imbatíveis a noção de um ser pensante e racional absoluto que
possa
traçar claras fronteiras entre ele e o mundo, entre ele e o outro ou
entre o
racional e o irracional. Um pouco de cada um também habita o outro
através da
projeção e da identificação que se produz no contato com o distinto.
Dada a complexidade da psique, expandida pela dificuldade
epistemológica de a mesma ser objeto de estudo e sujeito investigador,
esboçar
um desenho das possíveis presenças que lhe fazem companhia é uma meta
sem
promessas de conquista. Tal como as presenças do invisível se comunicam
num
acenar a algo, a meta desse conhecimento também apenas pode permanecer
na
intenção de apontar a algo sem nunca, de fato, nomeá-lo ou contê-lo nos
limites
da linguagem. Portanto, a via de investigação se faz infértil quando
preenchida
por complexidade terminológica, mas acaba caindo no cantarolar poético
que não
implica em menor complexidade, mas se faz complexo de maneira distinta,
tentando encontrar uma forma mais original de desenhar os movimentos do
ser.
Uma categoria para o reino do invisível implicaria na
reunião de muitos subconjuntos de pouca definição possível. Contudo,
pode-se
apresentar alguns indicativos desse mundo que sempre foge. Por exemplo,
estipular que no ato de nomear, o mecanismo operante não é simplesmente
aleatório, mas que, em algum nível, relaciona-se à essência de mundo ou
do ente
por ele nomeado. Essa relação estaria, em algum dos seus estratos, além
dos
predicativos do ente ou dos aspectos visíveis em geral que qualificam a
nomeação de um modo e não de outro. Que, no desvelar de algo, na
apresentação
do ente, haja um tipo de relação entre o ser e o ente, algo que os una
dentro
do mundo e possibilite, antes de tudo, uma nomeação que somente tomará
em conta
os predicativos posteriormente. Há que se contar com algo invisível que
atua no
sussurro de um ente, seja um objeto, um lugar, uma criatura vivente e
possa sussurrar
um nome ao mecanismo inconsciente da intuição. O nomear de um local
sagrado, a
delimitação do espaço sacro na geografia, os nomes dados a Deus, a
intuição de
algo que não existe.
Para alguns, nomear é exercer domínio sobre um ente, de modo
que entidades inumanas poderiam reservar seus nomes verdadeiros a fim
de não se
submeter ao intelecto humano. Porém, nomear é um vetor da asseguração
existencial do homem sobre a terra: nomear, catalogar, dividir e
racionalizar
aliviam a ansiedade diante de um mundo que nunca está sob controle.
Nesse
nomear, parte fundamental da agência humana, há que se reservar a
possibilidade
de uma comunicação direta com algo que, em certas condições, aponte
para o
nome, um sussurro que encerre uma comunicação com o invisível mais
pronunciada
que a mera relação essencial entre ser e ente onde deve haver um
estar-junto-à-coisa.
A experiência parece indicar que, para ouvir esse sussurro, quando este
se faz
presente, é necessária uma atitude de deixar-estar em relação ao
objeto:
silenciar a ânsia do próprio nomear para então ouvir o que é anunciado
em
silêncio, o indicar mudo de um nome ou direção, da mesma forma que, na
imaginação ativa, é necessário deixar com que a figura abordada repouse
em sua
– suposta – autonomia.
Ideias como essas percorrem seu caminho até a concepção
junguiana de Unus Mundus, onde haveria uma realidade subjacente
unificada ligando inconsciente, matéria e a própria vida. Contudo,
falar do
invisível não é apenas questão de penetrar nas possibilidades da
agência humana
em atos como o nomear ou na relação com as coisas do cotidiano, mesmo
que muito
possa ser investigado no mais-comum que sempre é subestimado por se
repetir no
mesmo. O intento aqui é de penetrar em territórios ostracizados pelo
lugar-comum do pensamento.
Ao caminhar pelo Balneário numa manhã densa de brumas no
inverno, ao penetrar nas suas veias que levam a pontos distantes que
acompanham
o Rio Pintado, muitas vezes se pode ouvir um tipo de sussurro muito
baixo,
aquém do som, algo que anuncia alguma presença seguindo o curso do rio.
Naqueles caminhos que percorrem pescadores, em alguns momentos,
torna-se
possível a relação, a comunicação com algo distinto que por ali vaga,
procedendo de algum ponto desconhecido que flui desde outros pontos do
Rio
Pintado, esse caminho fluvial que frequentemente é tomado pela neblina
e
sombreado por vivos salgueiros que emudecem com o passar das estações.
Há a
história de que em algum ponto desse rio, provavelmente longe de
estradas e
casas, era possível, na era antiga – a que precede a recente coroação
do
império da técnica –, encontrar uma pequena mulher que se detinha junto
ao rio.
Uma mulher muito pequena reconhecida como Mãe d'Água, que falava com os
raros
andarilhos daquelas partes e discorria sobre sua vida ali junto à água
e floresta.
Elementais são um tipo de presença do invisível que pode se fazer
visível, mas
num tipo de visibilidade que não se traduz em apresentar o que, de fato
se é,
mas de manifestar uma forma que varia conforme o receptáculo humano. Ou
seja,
os aspectos positivos da manifestação, como seu tamanho, cor, roupas e
aparência
em geral são condicionados por uma expectativa cultural. Mesmo assim,
esses
seres podem causar efeitos na matéria. O mesmo caso procede com fadas
(os fae),
gnomos, espectros, gente-pequena, "extraterrestres" e outros. Apesar
de provindos do reino do invisível, fazem-se visíveis, mas sem estarem
atrelados necessariamente ao visível, recorrendo a essa forma como modo
de, por
motivos misteriosos que aqui se ignoram, manifestar-se ao homem e sua
forma de
ver o mundo. Muito já foi estudado por outros sobre como há um continuum
entre os casos de encontros com povos fae e outros
correspondentes, seu
gradual desaparecimento no século XIX e a ascensão dos avistamentos de
supostos
homenzinhos vindos do espaço (que carecem de sentido dentro de um olhar
científico).
O desencantamento do mundo despovoou riachos e florestas dos seus
habitantes
invisíveis, mas o mesmo fenômeno se deslocou para as produções
mitológicas
operadas pelo homem sobre o mundo da técnica, ecoando o hype da ficção
científica em fenômenos novos onde aqueles seres surgem como habitantes
do
espaço viajando em impossíveis obras de arte tecnológicas. O mais
assustador de
tudo isso é que, tal como nos antigos mitos envolvendo os povos
encantados do
invisível, essas entidades humanoides tidas como espaciais produzem
efeitos na
matéria, mudando a paisagem, interagindo com pessoas e ambiente ou
mesmo sendo
detectadas em seus transportes pelos radares humanos. Se antes os povos
do
invisível estavam um passo à frente do homem com sua mágica, hoje o
fazem com
sua tecnologia.
Para quem andava pelas bandas de General Carneiro, lá perto
do Rio Farias, era popular a lenda do Gritador, um ser que quase nunca
era
visto, mas se conhecia apenas pela resposta que dava aos gritos
bradados na
mata, soltando um som de alcance assustador de algum ponto no meio da
floresta
fechada. Os antigos falavam em sacis, demônios nas encruzilhadas,
lobisomens,
monges misteriosos (que não João Maria), mães d'água, curupiras e
estranhos
humanoides em geral que faziam das nossas terras morada. Todos esses
encontros
se davam num modo de abordagem de engenhosidade desconhecida, operando
junto ao
inconsciente, natureza e vida. É comum assumir que o esclarecimento
gradual da
população através da educação formal fez cair por terra antigas crenças
por
conta do saber científico. É uma conclusão ilusória, pois canta vitória
sobre
algo que não está mais em jogo, porque aquele mesmo invisível agora atua
em
outros campos, apresentando-se diferente. Contudo, a mobilidade do
fenômeno não
exclui as estranhas experiências proporcionadas pelo modo certo de se
estar
diante da mata, da natureza, da neblina, dos rios, dos montes e de
antigas
ruínas. Ainda há algo para ouvir nesses lugares. Presenças
envergonhadas
ocultas entre uma coisa e outra, anunciando-se junto ao Lugar. O Lugar
mesmo
fala a nós em suas propriedades invisíveis, sua pressão desconcertante
que
manifesta um princípio estético e sensações que são próprias a cada
local que
se visita, embora isso esteja em muito prejudicado pelo âmbito do
turismo que
transforma a Paisagem em algo a se calcular em termos de produto,
apagando a
dimensão imersiva de deixar se perder junto a ela para, então, deixá-la
falar
como se fizera no tempo autêntico quando surgiu de forma mística, desde o
invisível, como intuição de espaço com qualidade para algum andante
atento.
O invisível faz mediação entre o não-delimitado do céu, que
se expande ao infinito e traz ao homem a direção da transcendência, e a
firmeza
do solo onde se sustenta e se enraíza em um mundo de coisas que vêm a
ser algo
e não nada. Também habita cada coisa em uma qualidade indiscernível que
se
desdobra em mil possibilidades, algumas projetadas mais pelo homem e
outras que
partem de uma vida calada descolada da organicidade. Muitas vezes, os
batedores
do invisível se traduzem como influências submersas nas águas do
inconsciente,
alimentando-se de vícios e energizando figuras de pensamento e
comportamentos.
E também como coisas "boas". Por vezes, sua força se torna
perceptível, condensando numa única imagem mental, numa forma, algo de
sua
natureza, surgindo em sonhos como um outro, uma figura independente,
uma pessoa
ou entidade.
Estamos cercados por coisas que não podemos tocar,
eternamente habitando as antípodas do visível. Nosso mundo, o mundo do
homem, a
forma deste se colocar e descobrir no mundo, está atrelada a inusitadas
presenças que jamais são desvendadas ou propriamente anunciadas. Não
cabem nas
palavras, apenas em relatos vagos e na palavra poética. Muitas vezes, é
na
própria proximidade com a finitude do ser, com a morte, que o invisível
se
anuncia como um nada que age sobre o ser; um nada que não é a
inexistência de
qualquer coisa, mas um termo que acena a algo desconhecido, a algo que
evoca
angústia e o sentimento de proximidade com o Mistério. Uma aproximação
mais
intensa a algumas potências do invisível mencionadas provoca justamente
a mesma
impressão e sensação quando se permanece junto e verdadeiramente ao
conceito da
morte, do além-mundo, do que está além da linguagem. O mesmo se dá nas
rodas de
causo em roda do fogão à lenha ou da fogueira, onde são invocadas essas
potências invisíveis ao se deter junto a elas em um deter que não é
físico, mas
existencial e de natureza mais próxima que o toque. Como pouco da
experiência
cabe na palavra, permanecendo quase toda ela indeterminada e vaga,
ambígua, é
justamente por esse motivo que nada disso tem valor e ao mesmo tempo
oculta
algo precioso e fugaz, tal como o próprio invisível e suas
potencialidades
numinosas. Como o sonho age sobre a vigília e é por ela alimentado, o
invisível
age sobre o visível, dependendo também deste para cavar seus sulcos
entre céu e
terra.
Haverá sempre a discussão de que todas as coisas aqui
mencionadas não
são mais que projeções da própria psique, fazendo o homem encontrar a
si mesmo
no mundo, tomando-o como representação psíquica. Todavia,
ainda é
possível fantasiar além de todos os rigores, como feito neste texto, e
dizer
que, em um estrato muito profundo, o que temos como produtos da psique –
complexos, arquétipos, outras personalidades – podem possuir
verdadeiramente
autonomia e caráter de outro, impossibilitando para sempre a
compreensão
total do homem e do mundo, admitindo uma fusão originária onde visível
e
invisível, terra, céu e o meio, habitam juntos e comungam de algo muito
maior
que esse pequeno compartimento erigido recentemente e que chamamos de
consciência. Portanto, quando se encontrar em mata antiga, ainda não
contaminada pelo ar próximo do asfalto e dos descartáveis jogados a
esmo, cale
em você a insistente ânsia do nomear e catalogar, esteja disposto a
ouvir e
permaneça junto, de forma essencial, ao coro entoado pelas multidões do
invisível em sua riqueza incalculável. Ainda há o que ouvir.
.//coil_WHERE_ARE_YOU
Where are you? Are
you hiding from me? Are
you still looking for things
that no-one else can see? Where
are you? Are
you in some place that we
cannot reach? Are
you bathing in moonlight or
drowned on the beach?
Where are you? Are
you surrounded by things we
cannot penetrate? Is
the cage you love the home you
also hate? Your
fear of death attracts such
strange objects Smothering
you, hiding you, don't
let it spoil you Show
yourself so the others may
see you So
the others may feed you They
want to be near you
Poor little ghost
boy Let me
be your human toy Where
are you? No-one's
seen you for years Have
your wounds grown wings? Are
you feasting on fears? I can
see your dark corona is
eating into you
All of us are
wounded,
anaesthetised in A&E Numbed
by stuff we should not see Each
of us lies bleeding Our
rivers intermingling Poor
little ghost boy Let
me be your human toy